Ela descortinava a janela superior. Calmamente, levantou sua
cabeça para a luz e esticou nos seus lábios um triste sorriso. Alvorotada, ao
ouvir seu marido, deixou seu pequeno momento de solidão e voltou para suas
tarefas. Recolheu os pratos da mesa, mediu a febre do filho. Deu um beijo na
mão do marido e recebeu uma queixada na testa. Ao bater a porta o marido se
dirigiu para o carro, ligou o motor. Se foi.
Neste momento, ela calculou os segundos (um, dois, três...
vinte e oito) e então se ouviu a porta bater.
- Olá, meu caro. - Disse ela, sorridente, um sorriso
verdadeiro, para mim.
Lhe disse que hoje eu não demoraria. Ela duvidou, mas também
não sabia de meus compromissos. Bebemos um café amargo e ela me disse que
estava preocupada com o filho.
Preocupada com o filho dele. O filho de outra. Levantei e me
despedi.
- Talvez amanhã nos vejamos.
Mas eu sempre a via. Na verdade, eu a observava. Pela manhã,
cuidava de seus dois homens. O maior, seu marido, bruto e alto, a deixava todos
os dias com o menor, seu filho do primeiro casamento, para ir ao trabalho - que
ficava na cidade vizinha. Durante a tarde, duas vezes por semana, caminhava com
o cachorro. Três vezes durante a tarde olhava o relógio. Todos os dias, entre
duas e três da tarde, lia e escrevia em seu diário e em seguida o escondia,
cada dia em diferentes lugares.
Eu aproveitava de tempos em tempos para aparecer. Como
observador desta criatura sublime, eu a protegia dos outros e precisava saber
se havia algo além dos sorrisos falsos ao marido. Na semana passada descobri
alguma coisa: ela sabia fazer piadas. Nesta altura, ela confiava mais em mim,
coitada.
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