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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

O motivo que ninguém sabe

Hoje um ser humano homem olhou no meu olho e perguntou o motivo de eu esquecer de passar o café no dia que me conheceu. E eu respondi apenas, tu não queria café, foram milhares de segundos antes disso que tu já sabia que eu ficaria, eternamente, marcada na tua imagem idealizada de mim mesma. E acredito que ele se ofendeu. Não entendo conversas profundas sobre vazios. E ele seguiu sua fala sobre não saberes da masculinidade tóxica.

Preciso

 Tu precisa contar até três. - Eu não sei se quero. Tu precisa! - Mas... Tu prometeu.  - E se eu decidir ir até quatro? Tu vai parar, vou te ajudar. - Ninguém cumpre o que promete. Olha, eu confio nisso. Aqui, olha. - Teu coração é de lata! Sim, por isso sempre funciona! - O meu foi roubado, na última noite, por um gato preto. Sim, é por isso que tu pode comprar um de lata. Até personalizar para quem teu desejo será. - E se eu não quiser mais ninguém além de mim?  Nem eu? - Nem você. Acho que daí vou aprender a viver sem coração também.  

Você vai me contar?

Você me pergunta se eu sei a resposta. Não sei, mas abro a boca e dou um leve sorriso, esguio, na sua direção. Eu não causo barulho, com receio de te acordar, só observo seu olhar tranquilo e pesado, dormindo sem noção de que o que escondo é pesado até para um pesadelo. Eu vou quebrar teu coração, pois eu já estou no processo de quebrar o meu próprio. E te olho, com sinceridade e curiosidade, o que fazemos aqui? E me encaro no teu olho, nada, nada não... E penso que se eu contasse o que escondo, seria como rasgar a malha de um universo paralelo: desconhecidos seres entrariam, e no silêncio do teu olhar, eu descobriria todos os monstros que carregamos juntos, lado a lado, marchando a valsa de cacos quebrados sob pés ensanguentados. E você vai me contar quando acordar? Quantos corpos se acumularam ao teu lado? Quantas noites de ódio teve? Quantos pesos tu finge não ter? Quantos pesos alheios tu ainda carrega? Até quando vamos fingir? Até quando o mundo girará? O que nos faz ficar próximo

Graminha

Eu não estou disponível, por isso nem retire um retrato tentando me causar a sensação de já ter te visto na minha grama. Grama. Leveza ou o delicioso peso de toneladas? Escrevo ouvindo tua música favorita, e tu me olha revirando os olhos. Eu dou meu sorriso com ar de moleca. E tu me acusa: linda. E eu vejo essa parte, leve, desmoronar em um comentário. E a rede cegou. E tu me atirou de um oitavo andar esquecido dentro de mim. E me vejo arredia. Não, penso, não, não, fuja, corra, isso é conhecido e doloroso, fuja! Corra! E vou embora sem olhar para trás: o que preciso agora é eu, eu mesma e todas as minhas almas inteiras, intactas e seguras.

A dança da ponte verde

Eu bloqueio aquele ser: olhos vermelhos na noite estrelada. Colocou um passo parecido ao meu, para sentir-me mais dele. Mas o levo até a ponte. A ponte telada, verde, por sobre o rio lamacento que corre abaixo dos meus pés. E eu o vejo se aproximar. Lua crescente, sua respiração, nervosa, não presta atenção na água que corre, rápida, ensurdecedora, por sobre pedras soltas. Ele me observa, eu sei por observá-lo de canto de olho, como uma presa que sabe que há perigo, mas finge imobilidade e estranheza, alheia ao seu redor. E me sinto presa menos tempo hoje, mas ainda mantenho o papel, pois acho graça.  E ele suavemente encosta seus dedos compridos nos meu cabelos, esvoaçantes, no mesmo momento que me viro para o outro lado e mantenho distância. Muito rápido, eu sorrio para mim mesma. Previsão. Eu já sei me esgueirar. É difícil me forçar. E eu gosto dessa dança.