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Mostrando postagens de agosto, 2021

O rei decapitado

Ela sentou delicadamente, cruzou as pernas, suas coxas saltaram os músculos. Ele observou as carnes pularem sobre a cadeira. Ela não conseguia sentir-se confortável. São camadas finas, mas te sufocam feito toneladas, apertando as células cheias de gordura.  Ela queria correr dali, mas era sua chance. Este negócio a faria receber um bônus no salário. Um jantar, um contrato assinado. Ela só precisava suportar até o fim.  O que tu tens de fazer, é apenas aceitar meus termos. Ele disse, a encarando, enquanto ela bebericava sua água com limão e gelo. Ela levanta os olhos meio castanhos claros, meio verdes nos dias cinzas. Ele não a reconhecia ali. Uma terceira cor nos olhos dela o alertou. Eu jamais me curvaria a tuas exigências, senhor. Saiba que antes de assinar quaisquer termos, preciso experimentar os produtos. Minha empresa não está disponível à especulação. Ela, impassível, diz sem seriedade, sorri logo após o alertar. Me fode, tu não tens como criar termos, tua empresa está falida! E

Amar Azul

A surpresa de amor num tempo de  rede. A rede de esperas. A rede de me amarrar em nós. Nós que éramos uma vida inteira, bela, cheia, farta. Hoje eu sirvo a mim. Hoje eu me sinto assim: uma cor apagada num dia que inicia azul e termina cinza. E os lados, todos, rodam, giram, e me sinto zonza, nem sabendo qual sentido dar... a um sentido incógnito e dolorido, que tenta expandir o peito além da conta. E já se termina agosto e não lembro, quantos dias desde a última vez que te vi? E dezenas, centenas ou milhares de momentos que se passaram. E novamente aquele sorriso me aquece a saudade de uma paz que me faz continuar: você tem um poder de transformar um abraço em um mundo. Onde foram esses braços? Onde giraram meus pensamentos, naquela tarde de domingo, onde só mais um pouquinho... viravam horas tenras.

Cada um morre um pouco a cada dia de 1000 maneiras distintas

 Morri hoje, quando peguei o busão lotado e meu fone de ouvido acabou de estragar e pelo resto de fio que ainda possuia, acho que engatei na escada rolante outro dia, dei um tropeço e fui de boca e quebrei o dente, mas quase morri, e morri novamente hoje mais cedo, quando o cara me olhou a traseira e disse, "dá-lhe Mucilon nessas coxa, sua linda" e eu morri de embaraço tanto quanto de raiva por ter de estar atrasada e não responder a uma altura que não possuo de fato, mas eu morro toda vez que preciso lembrar de pegar a escada apenas para alcançar a prateleira, assim, morro todo dia quando acordo e minha remela fica ocupando o resto do dia logo após a pálpebra e mesmo lavando o rosto com água fria, ela não havia ido embora, e a remela, que nojenta, ficou lá, todos notando e que morte mais terrível é essa quando tu pega alguém te encarando o dente após comer feijão, acredito que seja a mesma depreciação, se eu escolhesse a morte de rir, morreria hoje, rindo até chorar de morre

Meu preferido

Quer saber, meu nível de conhecimento baixou Só preciso que tu me diga Está tudo bem? Jonas vais voltar?   E tu me pede: Será que ele era isso mesmo? Mas acabou. Eu te falei. Eu falei que era isso.   Um nível baixo  Frequência alta Um som dissonante Distante   e tu me acorda São três da manhã E começamos a conversar Como para dizer Vai acabar tudo bem   E tudo vai acabar Como o som do silêncio O meu preferido.

Finjo

Eu finjo não beber o álcool  que tu espalha no destilar do teu espírito o meu soul o meu brilho de cada estrela que captei pelos olhares que colhi ali na rua tão simples quanto o suor  que escapa do pescoço a mostra nu de loucuras e logo por ser fino  como tua fala elegante e o meu e o teu se aproximam e corro novamente para ir além do teu brilho que capta e capota pesado sobre  mim Um passo, frente, trás, pisos, chãos.

Amigo Homem

Eu já tentei ser amiga de mulher. Dá muito trabalho, é um dia no salão, outro em loja, outro em boutique, outro no inferno de rodas cheias de assunto inútil... Nada contra conversa inútil, eu gosto dessas, mas que tenha conteúdo ou contexto relevante. Hoje digo livremente que amiga mulher é coisa pra homem machista. Essa mulher que vemos pintada como ameba. Como que busca só os cocoto. Como quem diz que amiga mulher é só para te ajudar a ser mais... feminina. Homem não quer saber quem tu é, querem só saber se tu vai beber junto uma ceva gelada. Amigo homem é o melhor tipo de homem que podemos ter por perto. Deveras é a melhor experimentação que já constatei verídica. Amigo homem te deixa para cima. Te fala das tuas faltas, manda a real. Mostra o quão verdadeira se deve ser para a outra pessoa. De fato, amigo homem te deixa irresistivelmente apaixonada. Sabe? Pela vida. Tu começa a ver que eles são homens e tem sentimentos, assim como as mulheres. Eles são tão sensíveis quanto nós - e n

Jerry

Jerry, vou levantar. Arrumar as minhas coisas. Vou depois disso te ligar. Perguntar o que tu está fazendo. Depois de te perguntar, vou narrar o que eu tô fazendo. Não suficiente, irei enviar um áudio narrando novamente como é responder tuas perguntas do que eu estou fazendo. E te zoar por você estar fazendo perguntas sem sentido do que eu estou fazendo. E, depois, mandarei a narração com transcrição. Para ter certeza que eu te respondi e tu entendeu e me compreendeu. E caso tu tenha dúvidas do que falei, farei um dicionário rápido. Para o acaso de eu ter usado gírias difíceis. E, acho, depois vou tentar melhorar os textos que envio. E depois, só depois, talvez eu diga a verdade.

Estou morrendo

Eu respirei o primeiro dia, onde meu leito dizia nasci. E naquela lápide, levantei e vivi. Vivi na vida que era minha, pela vida dos outros e tentei amar como aprendi a odiar, rapidamente, intensamente. E no momento que minha vida me abandonava, me refletia no espelho, quantos dias me restam, a que dia partirei? E meio macabro te digo, que nem ódio nem amor guardei, deixei tudo fluir, como verdadeiros sentidos nos fazem perceber: sou uma águia no ar e também sou a presa indefesa. Sou uma contradição infinita, que me recria e me inclina, dentro deste buraco, chamado de vida.

Não se preocupe, tudo piora

 A garota de cabelos lisos e negros, cortados no estilo mais famoso da moda, à la Coco, abre seus olhos pretos e grandes, encarando o pequeno espelho em suas mãos. Mãos finas e delicadas, sem marcas de calos ou de trabalho. O corpo esguio e fino, como manda a beleza da mídia, ossos aparecendo. Longos dedos, que praticavam toda noite piano e uma lauda de escrita. Regras da casa, dizia, se eu não realizar essas duas tarefas, meu dia estaria arruinado. E o próximo também. Assim, como de costume, a garota branca, diligentemente, se recosta na poltrona, contornando os lábios fartos, dizia-se que assim, se os manter sempre rosados e hidratados, ficaria mais sedutora. Segundo algumas revistas de moda, das quais ela lia com frequência, os lábios são um dos primeiros objetos a serem vistos pelo sexo oposto. O contorno. O tamanho. O quanto de imaginação dá quando uma garota lambe um sorvete ou, delicadamente, limpar seus lábios em um guardanapo. Tudo isso era descrito nas revistas. Os truques ma

Relação de borras

A xícara diz: tem borra de café acumulado por anos. E eu olho os pequenos grãos como quem colhe uma grande safra. Estou admirando os poros de uma xícara, que cúmulo de acúmulos de nadas por fazer. Meu bem, vamos indo? Acho que chegou a hora dessa música country ser deixada de lado. Meu bem, eu deixei a chave próxima do portão, quando tu volta? E ela partiu, junto dos sonhos da xícara. E ela sempre colocou muito açúcar em tudo, deve ser por isso que hoje me abstenho. Um equilíbrio calculado. Um amargor como sina. E eu acho que jamais serei a garota dela. A rainha de nada. Que nunca olhou meu coração.

Farofa

Oh, querida, oh, querida, amiga, maldita. Amiga que levanta, rebolando a bunda gorda por cima dos lençóis amassados. Eu detesto! Esse suor que fica grudado na roupa, como um inhame cru. Tu, que me permite tanta lavagem, tanta terra, que me permite, amiga, usar meus dedos por baixo daquela superfície gostosa de grama... uhm, amiga, que gosto delicioso, que gosto tens! Amiga, tu acordou com a cara amassada, parece uma criança mal-humorada, louca para dizer aos pais que não pode ir para a escola, mas amiga, nunca fiz isso. Escola era refúgio bom, onde a loucura da casa ficava para trás. Amiga, delícia, que gosto tenro tu nutres. Um gosto macio, com farofa e tudo.

Para o futuro

Hoje ela escreveu para o futuro e descobriu que nem todos os planos se realizariam. Tarefas e listas colocadas em primeiro plano: uma organização forçada para nunca mais se sentir esquecida. Ontem ela ainda esqueceu do que falaria aqui, eu a forcei a lembrar. Entrei dentro do seu corpo. Uma Alma que se apossa dela, sou. Um tanto apertado parece aqui às vezes, mas quando ela se vai correndo pela avenida, tudo volta ao lugar, como os japoneses já descobriram, um pouco de caos é preciso para assentar as coisas. Mas dentro dele, após os músculos das pernas gritarem, vem a sensação de euforia. Sou hoje um pedaço dela, mas logo vejo que esta Alma terá de sair e achar outro local para realizar seu trabalho. Algumas vezes nem sempre seremos felizes. E ela relê isso com toda devoção fingida, querendo acreditar que tudo bem... E eu não importo-me em olhar o rio, sentir o seu cheiro pútrido. Algumas águas, mesmo as internas, um dia irão ser renovadas, basta ter paciência.

Paralisia

 Loucura. Meu irmão me disse, loucura. Ele me olhou de alto a baixo, lágrimas nos olhos, e disse: - Eu estava naquele lugar conhecido, aquele que tu passou tua vida inteira. Nunca tinha percebido... como era deixar tudo acontecer e se sentir perdido, como no escuro que parece nunca ter saída, se sentir só. Acredito que hoje entendo, finalmente, o que tu passou e, agora, talvez passe. Eu não conseguia me colocar no teu espaço, era muito complicado. Mas depois disso, depois de perceber que ações geram consequências, nós finalmente compreendemos que entramos na vida um do outro por um motivo. E hoje me orgulho, honestamente, de fazer parte da tua vida. E por mais que seja tão estranho a forma do teu ser, eu te entendo, agora, temos um motivo a cumprir aqui. E eu estou aprendendo contigo, assim como tu aprendeu comigo. E é bonito saber que nos melhoramos, mesmo que não nos compreendamos por inteiro. Eu não conseguia falar. Eu congelei, pois estava paralisada internamente, como sempre fico.

Leve demais

Rodopiei. Girei. Voei entre ares. E cantei. Cantei em uma voz suave e delicada. E logo abri as asas e fui. Os galhos, secos, rodeavam onde eu mais visitava. Uma janela esbranquiçada que foi pintada recentemente. Eu me encaixo entre os galhos, pulo, rodopio novamente. Se eu pudesse, rolaria, mas não fui feita para rolar. Apenas pular suavemente entre os galhos. Eu me alegro quando ela abre a janela. A observo, de canto de olhos e, penso, ela é tão feliz sempre... o que aconteceu hoje? E canto novamente, para chamar a sua atenção, mas devagarinho, para não a assustar. E ela para no meio da janela, coloca suas pernas sobre o parapeito, e estende a mão para eu poder a bicar. Seu corpo e meu bico remontam a cena de Michelangelo, dois mundos por uma curta distância...

Estranho garoto, só ouça

A cidade corre na tua voz e, com rapidez, os estalos de uma chuva sobre o telhado e a fumaça de teus lábios encostam minha face. Languidez me apossa. Sobreponho meus ritmos sobre a tela. Uma ou outra volta no disco e a ranhura estala como fogo. Me sento com a xícara na mão e o barulho incessante lá fora me adentra o peito. Alguém tentou forçar a porta. Ontem eu acordei no mundo de determinação. Hoje eu acordei achando que já conquistei tudo. Amanhã poderei morrer. E a voz me conta tudo isso pelo sofrimento harmônico. E eu não entendo a língua, mas é mulher e é triste. O peito não nega, um amor que, talvez, foi abandonado. Tu só viveu isso, disse ele. Não confirmo, pois é mentira, mais abandonei que fui abandonada. E talvez em algum nível inconsciente esteja correto. Mas a solidão me faz forte, penso. Minha companhia me basta. E hoje, anos luz longe de qualquer certeza, eu sei que minha flutuação é constante e inquestionável. Eu me decreto parte das nuvens, como o ar que carrega o vento