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Mostrando postagens de janeiro, 2022

Amar está em desuso

Queria te dizer que te amo muito. Monstro escondido embaixo da cama. Uma caixa vazia sobre  a prateleira do mercado. Queria duas sacolas de batata rosa. Ou branca? Treze meias pegando sol em um varal milimetricamente calculado. São doze anos. Passaram meros trinta segundos. E agora, qual hora te serve? Acordei tarde. Não dormi. Foram anos. Perdi comentários. Foram esquecidos empoeirados sentidos. Tu entupiu a pia. A formiga subia a parede. O mundo girava descontroladamente e sem ninguém perceber bateu no Sol. Foram dois times de futebol quicando em um campo sem plateia. E as mentiras que me conto se acumulam na memória... e isso aqui, o que é? Pergunta ele. Eu olho e digo, uma carta para você ler quando eu ter coragem. E eu futuramente talvez releia essa carta e a aperfeiçoe. Acredito que pessoas, no geral, não escrevem mais cartas. Tem mensagens instantâneas pra isso. Mensagens de voz. O mundo virtual e fluído da rede... que se perde em imensidões.

Bota vermelha

Um vinho, duas taças e um alerta no celular: "não esquecer de gastar o tempo com mentiras convincentes". Ela olhou a tela reluzente e sentiu-se como uma popstar: notificações feitas para agradar o ego. E quando a noite chegou, ela sentou na beira da cama, colocou a meia-calça preta, sentindo a pele recém hidratada e, demoradamente, se vestiu. Olhou no espelho o zíper se fechar. Vestido apertado, delineando o corpo. Os cílios ficou exuberante, como uma samambaia. Então, após perceber que estava treze minutos atrasada, pegou sua revista de Peixes Mortos, consultou algumas táticas para atrair o seu próximo Peixe Morto. Bota vermelha, unhas afiadas. Pronta para a guerra. Foi parar numa calçada movimentada algumas quadras depois do Uber a deixar na esquina do prédio Elefante. Ficou rodando sua bolsa, pequena, olhando para as caminhonetes que passavam. Cada qual maior que a anterior. Homens passavam devagar. Mulheres viravam o rosto, como a etiqueta de rivalidade demanda. Finalment

Ao pesar

 A alma pesa, meu pesar sem flores, oculta-me tua alegria, pois é disso que me basto, e disso que um dia sorria radiante, hoje verdes olhos, me pesa o pranto. E de castanha basta para lembrar, quanto valoroso foi as breves falsas esperanças. Não tenho mais ninguém além do peso, que me carrego hoje, aqui e ali, por lados tortos, a descansar olhos, fascinados, por algo frívolo e sem significância. Seria paixão ou volúpia?

Acalento de eu para mim

Eu posso te amar agora e te odiar depois. Eu posso te deixar lá fora e nunca mais adentrar... Mas eu sei que não, é quando preciso de ti Que te deixo perto Feito amuleto, no peito. E eu poderia te odiar inteira Toda vez que me abandona... Mas nada mais linda Que te ver refletida no espelho toda vez que me olho.

Não entre sem ser convidado

Adentre, senhor, por esta porta estreita, olhe de relance, com olhos profundos de tons azuis que se escurecem na pouca luz. E me encare por um segundo ínfimo. Um pequeno trocar de olhares. Acho que isso basta hoje. Por enquanto. E viro a cabeça pro lado e encaro um muro de pedras, estava eu caminhado pelo meio fio? Tu me desconcentrou. E alguns dizem que eu calculei mal a precipitação da chuva que viria, e minhas tempestades parecem ser medidas por um passado que não pertence mais. E tento ainda andar pelo meio, o caminho do meio. E tudo não basta, respiro novamente então. E respiro fundo por bolhas amareladas. E não coloque muita espuma, colarinhos somente quando a espuma é de qualidade.  Uma menina pequena corria em seu cavalo imaginário, imaginando que o sonho perfeito seria ter um animal de grande porte para poder domar. Um leão seria muito selvagem para a cidade, pensava. Também questionava se os dinossauros realmente existiram, como, se não constava no livro Sagrado? E um dia ter

Azeda

H. caminhava pela rua. Uma rua movimentada, como sendo a principal de uma cidade interiorana. Uma rua com asfalto e mato. Aquele mix genial de civilização em evolução ou involução, conforme tua preferência antropológica. H. foi como de costume pela beira, caminhando com seu sorvete de flocos, pois sorvete de flocos é o melhor. Não questione, é o gosto de H. ela sabe do que ela gosta. E do que ela quer, por isso mesmo, querendo descobrir o que queria para 2022, H. olhava a lua crescente. Passa por um beco, de uma loja de produtos de construção, se assusta ao ver um rapaz, com a mão no local genital, que a olha e grita palavras vulgares. Ela, assustada, corre, sente um medo instintivo, aquilo que mais teme, que já foi recorrente, que a atormenta... não, não, ela pensa, não vai acontecer isso. Estou segura, é iluminado, é cheio de movimento. Tem câmeras por todos os lados. Ela já estava se acalmando, andando rápido na rodovia, quase na rua, entre a calçada... quando é pega por trás. Um ap