Sob a luz da porta fechada via o contorno das sombras
caminhando de um lado ao outro. Havia uma discussão em apenas um metro. Ela
ouvia atenta e discreta e por precaução utilizava os fones de ouvido e, mesmo
assim, conseguia ouvir tudo muito claramente.
Eles estavam mais de alguns anos juntos e por este motivo a garota do
fone de ouvido não tentava mais intervir. Os gritos estavam se acalmando agora,
os alfinetes que vinham em forma de palavras estavam doendo cada vez mais. O
coração da garota começou a acelerar. Viu a sombra de um homem se afastar da
outra. Nada mais se movia. A garota caiu sobre seu mp3 quando a porta de seu
quarto se abriu. Então a música voltou a tocar.
Branco.
A primeira lembrança era da cor. A luz vinha da janela, a
cor vinha da janela. Estava cega ainda, não conseguiu distinguir as formas.
Parecia ser uma janela. Levantou suas mãos, duas formas escuras aparecem em seu
campo de visão, mexeu seus dedos mas não os via claramente. Não conseguindo
levantar, percebeu que estava amarrada. Fechou os olhos, sentiu o ambiente. Era
claro, tinha um vento vindo do que parecia ser a fonte da luz, barulhos de
pessoas conversando em distantes ambientes, uma cerra fazia algum trabalho de
reforma. Tinha árvores por perto, ouvia
seus galhos baterem uns nos outros. Permaneceu assim por um longo tempo pelo
que lhe pareceu. A infeliz garota agora
nem mais os fones de ouvido tinha.
Não longe dali três pessoas discutiam sobre o que fazer com
a garota. O primeiro defendia sua opinião maravilhado com a possibilidade de
extinguir mais uma vida, o segundo se contrapunha com o fato de não ser
relevante aquela vida, o terceiro pensava em como se livrar dos dois primeiros.
“Ela não fará diferença para nós, assim como vocês não farão diferença para
mim.” Bradou o último. O primeiro se levanta e abruptamente dá um soco na
parede. O segundo olha por cima do ombro do terceiro e pensou em como sair dali
antes de acontecer o que viria a seguir. O cavalheiro de ideias egoístas pegou
sua arma e apontou para o assassino: “eu jamais pensaria em matá-la. Já você,
não fará diferença em pensar nela como sua causa de morte.” Dois tiros. “Camarada...”
gagueja o segundo. “... somos amigos, parceiros...”
Uma pausa.
A cena gira entre uma arma, levada no punho de um homem
mediano, grisalho, barba por fazer. Tecnicamente era um bom homem, destes bons homens
que o mundo está cheio: pensam sozinhos, morrem sozinhos e não aguentam muita
conversa fiada nos seus planos. O alvo era um garoto, no máximo tinha terminado
o Ensino Fundamental, se meteu com um roubo junto de viciados e acabou sendo socorrido
pelo seu “parceiro”.
Da autora: Aí a história deveria se decidir, mas no momento
estou preocupada demais com minha noite. Só garanto que a garota ainda vive.
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