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Formas do desconhecido mundo.


Quinta-feira a noite, hora de tormentas e chuvas. Corria solto na sarjeta o sangue dela e deixava os canos mais vivos do que nunca, cheiro delicado de ferida aberta.

Delicadamente ela sorvia o líquido fresco que caía dos céus e no mesmo instante ele se recolhia para evitar morrer. Ela era um ser complicadamente belo de se ver, sempre com as mesmas cores e a única força vinha dos espinhos, que evitavam com os cortes de ser extinta. Já ele, um senhor muito do cheio, funcionava com fogo, com ar e vivia no alto evitando de ser pego por qualquer ameaça.

Foi numa noite de lua cheia que eles se conheceram, ela estava sendo observada com ganância e desejo como de costume, a sua simplicidade era bela e indecifrável. Estava mais brilhante que a lua, um refletor estava nela. Por isso, talvez, ele a tenha notado lá do alto, em um de seus ares noturnos quase se perde no ar. Se o tivesse teria morrido imediatamente,afirmo.

Quando ninguém mais a olhava se aproximou para tentar descobrir de onde vinha este simplismo encantador e ela com suas mechas vermelhas o deixou tocar, pelo brilho do orvalho que tinha caído em si. Ele então a queria toda e de todo modo, foi então que seu destino traçou. Um  fraco corte primeiro se criou enquanto perdia o ar ao seu lado e se esvaziava calado. Uma gota do céu veio para seu ferimento estancar, ele assustado pela intensidade dela não mais se movia pelos ares, apenas quicava nos ventos a favor. Voltou ali todas as noites de lua cheia, trazendo cada vez menos ar, com menos vida... ele não a tinha e ela absorvia por completo o ar dele, de modo a controlar sua vida. Ela era um veneno contínuo apesar de ser aparentemente a melhor cura. Ele queria se encher ao seu lado, levá-la para sentir as brisas do oeste, mas a única coisa que acreditava era de que ela existia pra extrair seu melhor e assim se deixou desfalecer todos os dias. Ela era o seu sim absoluto, então que a morte era certa.

Um momento do outro lado: ela o tinha visto muitas vezes antes, mas como não sai nunca do seu lugar, não poderia se  aproximar. Quando ele chegou enfim a percebê-la, ela o conhecia mais do que ele próprio. O fim do encanto ao vê-lo se entregar de forma rasa a fez parar de amar, que tão logo a vingança da existência branda começou a aflorar: pegava o oxigênio e florescia aos seus custos, absorvia o vento que ele sempre trazia, abusava incondicionalmente dos laços que ele todos os dias segurava, exigia cada dia uma nova cor, reclamava dos muxoxos dele ao se perder, o fez enlouquecer pela sua beleza. E ela? Vida, viva. Mais alta, mais vermelha, com novos botões conquistou novos olhares e novas cobiças. De tão bela que ficava, criava mais espinhos para proteção e como tudo tem um preço, teve de pagar o seu: na noite de lua cheia ele veio mais uma vez ali, se aproximou e se deixou tocar pelo veludo vermelho, então que o vento soprou tão forte que ela se descontrolou e seus espinhos, todos, o mataram.

Na forma de morte, uma vida existia ainda dentro dele: ela o viu enquanto as formas prateadas eram levadas pelo vendaval que chegava. Havia suas cores vivas dentro de si, junto com o canto alegre que ele a fazia ao vê-la refletida nele. Então que o primeiro raio da tempestuosa noite chega, ela decide sair dali e pela primeira vez se desenraizou, correu pelas ruas cada vez mais fraca na procura dos pedaços do amor tardiamente descoberto. O amor a acompanhou na sua morte, pois a chuva castigava aquela noite e os sonhos de seus filhos, com os carros a passarem sobre suas formas vermelhas ela não mais se movia... sentia o sangue, vivo, buscando alegria na nova forma em que se transformava. Agora ela era pura água e ele ar.

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