Dia primeiro.
Somos quatrocentas e tantas milhares de
possibilidades cheias de esperança desejosas de que amanhã estaremos nos
desenvolvendo melhores do que até então.
Dia segundo.
Somos apenas nove. Um número
insignificante, porém vitorioso por chegarmos aqui. Aguardarei os próximos
meses para dizer mais alguma coisa, afinal, quero me desenvolver o suficiente
para saber o que faço aqui.
112 dias se passaram. Algo acontece, me
expulsam.
Mês um.
Foi compulsivamente nojento na primeira
semana, nunca senti tanto nojo na vida. Aliás, foi meu primeiro sentimento
neste mundo. Saí de algo gosmento, apertado por meus outros cinco irmãos. É,
três de nós morreram. Vou ainda fazer algo bonito em homenagem a eles.
A segunda semana foi de adaptação, pois
mamãe não ficou conosco, disse que eles iriam nos separar em breve e que,
talvez, jamais fossemos vê-la novamente. Nos garantiu que nos alimentariam.
Senti muito medo na terceira semana. Eles
vinham me ver, me mediam e me pesavam. Parecia uma espécie de teste. Aliás,
eles pareciam uma espécie interessante, ficávamos olhando eles e admirando suas
posições. Entre eles, eles pareciam gentis, conosco agiam de forma rude. No fim
da terceira semana meu mano menor ficou triste, ouviu a espécie que nos
analisava dizendo que ele deveria ser massacrado. Aí disse pra ele que ser
massacrado poderia ser uma coisa boa, que quando descobrisse o significado
dessa palavra iria rir junto com ele por se preocupar indevidamente.
Na quarta semana e fim do primeiro mês,
ocorreram muitas mudanças. Estávamos maiores, tínhamos crescido muito, mamado
muito, menos meu mano menor. Lembrando dele, faz dias que não o vejo. Deveria
eu me preocupar? Sinto uma angústia crescente cada vez que vejo aquelas
pranchetas que ficam penduradas nos nossos cômodos. Vejo que a prancheta dele
não esta mais defronte. Imagino que levaram ele pra algum lugar onde ser
massacrado deva ser melhor do que nosso pequeno espaço. Fico imaginado coisas
fantasiosas, como um mundo com cores, onde exista uma luz tão intensa quanto
esta que colocaram em nossas cabeças e que jamais se apagam. Um mundo onde
exista escuridão, do tipo quando me lembro quando estávamos eu e meus outros
irmãos, dentro da coisa gosmenta.
Mês dois.
Ocorreu basicamente tudo igual. Exceto
talvez, que tivemos na terceira semana, visitas de outros lugares. A princípio
os caras que nos analisavam tinham tido grande trabalho conosco, apesar de não
termos feito nada além de comer exaustivamente e dormido em pé. Obviamente a
comida nos deixava muito felizes, nos ocupava, afinal o que faríamos sem ela?
Um dia pensei e pensei e pensei. Não comi, pois meu mano mais novo nunca
voltou. Um dia depois me tiraram do meu espaço e me conduziram pra uma espécie
de pesador, bem maior do que aquelas pequenas da primeira semana, agora
consegui ver meus pés. Nossa, estão tão fofos! Devo estar bonitão, se eu
conseguisse visualizar onde está mamãe... ela sentiria tanto orgulho! Logo em
seguida prenderam algo na minha orelha. Fez um “cleck” apertado, gemi um pouco,
pra ver se eles se compadeciam, mas apenas seguiram comigo, me guiando pra
outro lugar. Percebo agora que me levaram pra um lugar diferente. Espaçoso.
Achavam-se ali muitos outros iguais a mim, cheios daqueles “clecks” nas
orelhas, se mamãe me visse com isso pensaria que me revoltei. Tentei me
divertir, me enturmar, mas todos estavam calados, alguns pesarosos. Procurei
pelos meu manos. Nada. Nada. Alguns companheiros estavam bem maiores do que eu.
Perguntei a um deles a quanto tempo estava ali, ele respondeu que fazia seis
meses e iriam troca-lo de lugar novamente. Fiquei espantado, ele parecia
conhecer todos os espaços deste lugar. Ele disse que eu não iria gostar tanto
depois de um tempo. Que eu iria entender. Disse que eu era do tamanho dele,
apesar de ser mais novo, e que com toda certeza eu teria um destino diferente,
por isso pior. Pareceu um tanto deprimido ao constatar isso e não o levei a
sério, parecia só um cara cansado de viver. No fim daquela noite chegou uma
rampa enorme, nos carregando pra algum lugar. A rampa era nada aconchegante,
cheia de nós mesmos. Era rabo pra um lado, focinho pra outro, pisada de um
lado, cagada do outro... e tudo balançava. O teto era aberto, diferente. Nunca
tinha entrado em tal coisa. Tinha uma coisa invisível que nos chegava de todos
os lados. Sentia muito frio. E chorei muito, muito muito. Que gente é essa que
nos carrega assim sem explicar nada? Eu estava com frio, com fome, apertado,
querendo minha mãe e meus irmãos. Era pedir muito?!
Mês três.
Estou instalado num novo local, totalmente
limpo, ainda assim apertado e nada aconchegante. Nunca tive isso na verdade, só
fico imaginando. Diria que se eu tivesse apenas dois pés seria intelectual, mas
tenho quatro. O mundo não parece ser tão ruim para os caras que nos analisam.
Eles pararam de vir me ver tanto. Meio que nos fazem apenas comer. Certificam
que não deixamos nada e, tudo de certa forma piorou depois daquela rampa. Estou
sozinho como nunca antes. Já perdi que época do mês estou. Parece a segunda,
mas bem podia ser a terceira. Não durmo muito, meio que sonho com rampas
diferentes. As vezes sonho e acordo assustado, pois os sonhos tem sons de
ferros. Parecem os sons destas portas que abrem, mas mais finas, mais agudas.
As vezes escuto isso acordado e imagino que seja alucinação de tanta comida. Eu
imagino demais, digo a mim mesmo. Não é nada. E se paro por breves instantes,
logo vem alguém ver se estou aqui. Percebi isso nos últimos dois dias. Tenho de
comer muito mais agora, estou cansado, queria caminhar novamente, ser pesado,
medido. Porém algo diz a eles que estou do jeito que deveria. A cada minuto,
eles mais apressados ficam. Eles, a espécie que se torna desinteressante. Que
me assusta, me angustia, que me maltrata de uma forma desconhecida, que não criou
vínculo algum comigo, que me fez nascer e nem me explicou o motivo, que me
separou de mamãe e dos manos, que me faz comer feito bicho, que me faz mal sem
eu saber o motivo, que não me dá atenção se continuo comendo e que, acima de
tudo, me deixa mais em dúvida sobre o motivo de eu estar aqui. Não fiz nada de
bonito pelos meus manos que se foram, nem tenho notícias dos meus outros manos
e muito menos de mamãe. Não sei mais nada de mim mesmo. Muito menos daqueles lá
que são gentis, menos comigo. Os caras de branco, com pranchetas. Ou o de terno
e com um pequeno dispositivo preto nas mãos, sempre falando algo pra dentro da
caixinha.
Não sei.
Me perdi nas contas, me perdi. Vou tentar
escrever mais um pouco, apesar de haver muito movimento aqui por perto, parece
que meus companheiros estão sendo retirados mortos dos seus ambientes, pois
depois de um tempo todos ficam dizendo: “O que é isso? Devo comer?” e segundos
depois se calam. Não ouço mais nada. Paro por aqui, alguém vem na minha direção,
ouço os passos. Adeus, caso não leiam mais... receio que irei já estar junto do
meu mano mais novo. No lugar onde ser massacrado deve ser melhor, rindo e
vivendo algo melhor do que isto aqui, junto dele.
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