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Alívio


Ali, vivo. Disse o senhor. Apontou o dedo enrugado, dobrou a folha, mascou seu tabaco. Era sua sétima frase favorita: "Ali, vivo". Falava ao vento, para quem quisesse ouvir. Seu nariz sobressaia naquela barba toda, meio roxa e grossa de sujeira. Marcas de antigas rugas de sorrisos e exclamações perpassavam a pouca face exposta. Os olhos eram vivos, cor de céu, cor de mar, cansados de ver paisagens e sedentos por ver ainda mais alguns sóis. O bafo quente subia junto com a fumaça. Ele encara as espirais e pensa. Alívio. Vira os olhos, faz um sinal com o dedão, sobe em sua nova carona e segue para o deserto. Alívio. Certo, sertão, solito e que trará mais um ou dois calos nas mãos. Que alívio, ser útil e fértil. Então pensa. Assim rima. Terra. Anota mentalmente uma harmonia. Os buracos mantém o ritmo. Duas paradas. Em uma chega. Desce do comboio. Olha o chão amarelo, encara o breve mormaço. Sente. Ajoelhado em uma entrega ao sagrado e soberbo mundo: pede a ela mais um caminho. Saudoso levanta as mãos, os braços, a cabeça, o corpo, e deixa os filtros e raios perpassarem sua pele, sua alma... e se entrega novamente ao caminho. E ali, anda. Obcecado na busca do alívio.

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