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Uma fotografia esquecida de uma menina segurando a mão de um estranho

 Hoje eu olhei pra trás. 

Caminhei pra trás.

Me senti pra trás.

Queria estar adiante. 

Colocando os olhos adiante.

Adiantado os atos.

Foi assim meu dia, fiz um café e tomei ele em silêncio. Em seguida, levantei meu corpo inteiro, quase em um pulo. Me vi na rua. Foi um lapso que me ocorreu, não consigo lembrar o que fiz no meio tempo. Bem provável que estivesse limpando a xícara, a colher, a chaleira, desligando o gás, regando as plantas, cuidando do gato. E mesmo assim não tenho certeza. Poderia eu estar fazendo outra coisa?
Eu poderia ter uma caixa secreta sob minha cama, mas não teria espaço para guardá-la.
Poderia ter poderes de ler mentes e assim fazer textos de auto-ajuda e guardar ali dentro, na pequena caixa. Ela poderia ser de madeira. Metal? Com chaves? Um código de reconhecimento de voz? Ela só se abriria com uma música? Se eu tivesse a caixa secreta eu poderia não estar tomando café, mas colocando lembranças nela. Ou limpando ela. Ou pensando que eu não tinha feito nada nos últimos seis meses de tão empolgante para guardar algo dentro dela.

Talvez fosse isso.

Entediante.

O que eu fiz comigo mesma?

Cortei os pulsos, pulei de uma ponte, dancei numa festa, saí com alguns caras, descobri ouro, vendi meu cabelo, trafiquei conhecimento por balelas.

Não, nada disso estaria na caixa secreta.

Eu poderia ter inventado uma língua, escrito o romance de todos os tempos, inventado a nova forma de ler de ponta cabeça, descobrir o poder da cura ou como transformar a probabilidade infinita em fatos mais precisos com nosso costumeiro azar e tendência ao erro.
Se as pessoas entendessem probabilidade teriam mais chances na vida? Talvez passar em um concurso público ou ganhar num jogo de azar… Azar. Palavra cômica. Minha vida é cômica. Não sou nenhum quadrinho.

E se na caixa secreta eu fizesse um quadrinho da minha vida, que imagem eu colocaria ali dentro?

Tiraria um selfie? Desenharia um mapa do tesouro? Desenharia um boneco em palitos pra me representar, mesmo sabendo que deveria ser uma bolinha? (Engraçado, nunca entendi os desenhos de palitos. Eles não tem mãos e nem pés. A cabeça não tem orelhas.)

– Somos assim será, não ouvimos?

– Não sei.

 

Estava ali na rua. Só isso. Eu ia subir aquela ladeira, iria sofrer. Meu joelho estava doendo. Meu cérebro doía, talvez tivesse um câncer ali. No joelho? Não, no cérebro. Eu desmaiei noite passada. E daí? Estava subindo a ladeira, estava na metade. O topo sempre leva um tempo maior para alcançar. Quais são meus topos? Dezenas de vidas passavam por aquela ladeira, verificavam seus celulares, carregavam sacolas de compras do mercado da rua transversal. Eu gostava daquela rua, mas isso não respondia quais eram meus topos. A gente precisa aprender a deixar as ruas transversais e seus confortos paisagísticos para subir a porcaria da ladeira e pensar nos topos. Eis a conclusão: eu subiria no topo, estava quase lá mesmo, e então eu  desceria o mesmo caminho pensando em como eu subi até lá. Eu voltaria de costas. Andando ao contrário.

Estava lá no topo.

– Linda. Radiante?

Não, triste, infeliz, em dúvida.

– Bipolar.

– Adoro ursos polares.

– Adoro Polar.

– Eu não…

 

Foi assim que desci a ladeira. De costas para a queda. Um passo. Dois. Três. Quarto me desequilibro. Quinto, vertigem dos muros. Sexto. Sétimo, quase lá. Oitavo, qual o motivo de fazer isso mesmo? Nono, sem resposta alguma. Décimo, droga, meu tempo acabou.

Acabou.

Nenhuma resposta. Sem topo.

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