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Corpos celestes

Três. 

Novas maneiras de manter-se acordado: café, chocolate e livros não funcionam mais. Não quando o enredo da história simplesmente não conecta-se com teu íntimo. 

Ele olha para ela e pergunta: afinal, qual motivo que ainda te mantém escrevendo?  Ela, cheia de si, calma e vagarosamente diz: eu não sei... acredito que tenham sido os peixes.

Ele não entende a frase. O que afinal eram esses peixes? São comidas ou são imagens figuradas? Seriam os pequenos pães que nos alimentamos ou talvez uma essência religiosa e mística? Ele começa novamente a se questionar, incessantemente, internamente, loucamente... mente.

- Ah bom, sabia que poderia ser isso.

Ela revira os olhos para ele, monta em seu colo, agarra os cabelos dele, respira logo acima  de sua orelha e de sua têmpora, entre os fios de cabelo que cheiram a madeira afunda o nariz e respira profundamente.  Susurra: não minta, sei que não entende meus peixes.

Ele, surpreso, se remexe desconfortavelmente no sofá fazendo ela cair para o lado. Dessa vez ele não a deixaria ir tão longe. Levanta-se então, seguindo em direção a janela. Escora-se próximo ao peitoral cheio de folhagens que tentava cultivar desde que se conheceram. Ele não poderia mais aguentar e se manter em dúvida. Acende um cigarro, o deixa rolar entre os dedos... não encara mais ela, por medo de se entregar novamente.  

- Vamos, não fique assim, eu só quero diversão. Não é o que todos querem?

- Não pensei muito sobre isso, admito, mas tua habilidade de me encantar é assustadora.

- Então, qual o problema, seu bobo?

- É sobre nós ou é sobre você? Digo, eu quero ser mais do que apenas...

- Um corpo celeste.

- Isso. Exatamente isso.

Todos são corpos. Todos são celestes. Quando acordares e perceber isso, teu tempo terás passado, tuas habilidades de viver terá ficado para trás e só restará um jogo sem resultados, não terás salvado o mundo e muito menos o seu próprio Narciso. Acordarás entre destroços cheios de rachaduras. Enquanto não abrires os olhos, permitir-se tocar... admitir que não sabes nada, admitir que teus peixes podem ter outros nomes ou significados e parar de querer entender tudo de forma lógica... qualquer quadro, pintura, vida ou estrela será desmistificada e será mais fácil viver. A leveza da respiração poderá te elevar. Cada centímetro de seu corpo, pele, toque será dado sem precisar necessariamente tocar algo ou alguém. 

- Eu não posso prometer o que tu verás. Eu vejo e apenas digo sobre o que cabe a mim. Não tenho mais poder de julgar o que tu verás o que eu entendo. E mesmo te dizendo que serás isso ou aquilo... eu posso estar errada, eu sempre te disse que eu poderia estar. Sempre fui honesta nisso. O que te preocupas, acredito, é como os outros corpos te verão em relação a ti mesmo.

- Eu só queria ser único...

- Talvez tu seja, mas isso é você que deve decidir.

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