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Não, Nessie

Os olhos dele eram tristes. Azuis de um profundo céu nunca visto. Agora ele me encara novamente. Sinto seus olhos lúcidos por meu corpo. Não era para soar sensual, mas ele não consegue me ver sem me devorar. E então ele me toca apenas ao me olhar. As pálpebras estão baixas, como não querendo mesmo assumir o que sente. O vejo e o chamo, ele levanta a cabeça, mas ainda parece encabulado. Tento aproximar a cadeira, o vento bate minhas costas e me dá um arrepio ao mesmo tempo que ele pensa que começou o jogo: "vou ir hoje te pegar e te consumir inteira". Dou risada. Tu pode me avisar quantas vezes quiser, mas teus braços estarão sempre longe de mim. Não deixarei tu me capturar. Serei difícil, mais que um dia pensaste possível. "não, tu irás apenas tornar tudo divertido." Dou risada do atrevimento. Levanto minha saia até a altura dos joelhos, faço um nó, me sinto uma monstra preparada para entrar no lago, uma Nessie próxima ao ponto fatal dentro daquele mar azul. Ele me encara novamente, puxa meu antebraço. Eu suspiro e digo: me deixe ir, vai ser mais fácil partir e deixar tu nunca ter existido. E por mais que quisesse, ele teria entendido, mas o fundo da mente dele me dizia: Te terei hoje e amanhã e não sairei daqui. Se acostume, querida. 

E cansada, com aquele distúrbio no olhar azulado, eu fiquei cega. Até o violão à meia-noite me acordar. E tua voz era suficientemente gostosa, grossa, cheia de gravidade. Uma garganta arranhada por um urro de urso. Forte e cheia de depressão: não fuja, eu preciso de ti. E se achegava ao meu ouvido, como numa dança que nem sei quando começamos. Ele remexia minhas mexas e me tocava o braço, os lábios. Eu nem sabia, mas dançava ao pé da cama, como nunca tinha feito antes. Levantei os braços e ele já estava me pousando beijos por todo meu colo. Intensidade era as mãos que percorriam caminhos imensos que nem lembrava que existiam em mim. Arrepiava-me os sentidos, não deixava-me pensar nem respirar. E parei até ver ele dançando.

Encarei ele rebolando sensualmente. Imaginei o que se passava naquele ser estranho. Era um bailarino profissional. Ou era uma perfeita piada? Dou risada e ele me cobra a ousadia com beijos pelo meu rosto. E tento fugir novamente, como quem carrega uma cruz que não merecia nem buscava. Ele era mais forte e me segurava, forte. Agora contra a parede. Acho que fiquei roxa, digo. Foi sem querer...

Uma vez vejo ele subindo as escadas, agora ele dizia tatatataratatara e eu ouvia o som do violão como num sábado cheio de promessas, e me sento na esquina esperando ele me pedir o café. Agora nem discutimos, eu só aceito. E ele dirige, eu deixo minha mente divagar. O relacionamento é abusivo e nem me percebo. Estou perdida taratattara e ele dizia como era bom eu ter ficado esperando ele em casa enquanto ele saia e se divertia. 

E eu olho pelo vidro e digo.. eu não fiquei em casa. O carro para. tatataratatatra ele me bate. Era impossível, eu não deveria, ele era tudo, você agiu pelas minhas costas. E eu disse, foi bom te ver, mas eu não mereço isso. E ele dizia... tu não deveria ter ido, eu não permiti. E eu ria da péssima piada que nem sabia que eu mesma me colocava. Achava engraçado os roxos e ria da má sorte que ele me impunha. tatataratatatara

Silêncio.

Luz vermelha.

Ele me amarra.

Ele me cega.

Ele me bate.

Ele me dizia que era bom me ver.

Submissa.

Tututuru

A luz descia meu corpo.

Sensual.

Tatatara.

Acabou.

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