Pular para o conteúdo principal

Desconexo

Ela desceu do carro. Atravessou a rua. Pegou a bolsa surrada de couro barato. Em seus saltos altos, seu corpo se elevava. Assim com sua alma após três doses de tequila. Já dentro do recinto olhou ao redor. Observou. Ele. Chegou perto, disse:

- Uma dose generosa de whisky. 

Observou ele colocando miseravelmente as pedras de gelo. Se assustou!

- Não, por favor, sem gelo!

O atendente a olhou resignado, mulheres são fortes. Não precisam de gelo. 

Ela segurou o copo entre unhas bem quadradas. Sentou em um local próximo a parede, iluminado fracamente, queria terminar aquele capítulo. Tomou mais um gole. Madeira. Amargo. Delicioso. Sentiu o cheiro novamente antes de se afastar do líquido ocre. Desejava estar lá naquele mundo. Tudo mais fácil, finais mais felizes, dores explicadas, com diálogos que faziam sentido. Onde pensamentos entre personagens faziam conexões efêmeras, vis e sem sentido. E passado mais uma ou outra página, ela estava quase se derretendo com a veracidade de fatos inventados. Os personagens deveriam se bastar e os faziam, mas sem finais felizes. Na verdade, ele nunca mais a viu, dizia a autora. E a sentia. Ela olhou novamente para a capa do livro após colocar o marca página em seu devido local. Estranho, esta história é tão semelhante e tão diferente. Qual peça a faz se diferenciar? Olhou a capa. Amarelada, cheia de ranhuras. Estranhamente desistiu de continuar, algo captou o olhar dela. No outro lado do recinto, o observou. Ele pegou um celular relativamente grande e começou a digitar desesperadamente. Ela achou curioso como ele se curvava com certa ferocidade em seu olhar. Ora, quem esquece que está em público quando digita? Não faz sentido... ainda mais em um bar como aquele, proibido uso de celular, dizia-se um recinto para conversas reais. Ela incomodada, recebe uma mensagem:

"Estou aqui. Não me evite."

Então ela novamente olha o estranho e o reconhece. Corre pela porta dos fundos. Encontra os labirintos de mesas. Esquece do seu livro. Aquilo não era mais brincadeira. O stalker ainda a perseguia. Não havia o reconhecido, como? 

Ele mudou o corte de cabelo? Roupas diferentes? Qual o problema de se manter o mesmo? Onde ir? Encontrou um vaso de flor. O segurou por sobre seu rosto. E aguardou. 

- Não se esconda, querida, as páginas amarelas nunca irão acabar para você. Eu te criei e serás eternamente minha. Somente minha. Eu escrevi esta história, eu manipulo até os girassóis.

Ela engoliu em seco, não aguentaria aquele vaso por muito tempo, se sentiu ridícula. Que diabos!? Como não pensou nisso? Era tudo uma ilusão.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Esteira

Hoje acordei de manhã cedo, mas era meio-dia. Foram mais ou menos 18 horas de voo e ainda permaneço nesse espaço de ostentação e transporte. Me transporto para outros rumos, novos sabores, e ainda fico olhando embasbacada a janela do avião. Onde fui me meter? Pergunto como, sem querer saber a resposta, não sei mesmo... Não sei se foi um desejo de manter-me viva ou de provar a mim mesma que sou capaz de realizar os sonhos, por mim, ninguém mais. Acredito que seja isso. E fico feliz enquanto os pacotinhos que tanto corria atrás, agora os mantenho separados, etiquetados e bem longe para não repetir certas doses. Pacotes de embalagens conhecidas nem sempre são as melhores.

Romântica

Eu sou romântica  Com meu amor Esperando no quarto em fronte com taças e castiçais  Não sou aquela romântica Quando eu vejo atravessar ao longe na rua segurando mãos com sua alma gêmea e eu vejo por distância  você caminhando para longe dela E desaparecendo Nos meus sonhos

Não somos amigos

 Eu não consigo ser tua amiga. Eu juro, tentei. Eu prefiro ser nada. Aliada a mim. E eu gosto das lembranças. E eu gosto daqueles momentos, tão tranquilos. E tu engoliu a voz. Buscou paz. E eu, observo aqui, contente por ti. Tu merece toda paz do amor tranquilo. E eu? Eu aqui, imagino, se poderia ter sido.